15.06.2018
Dos jogos em Flash às estratégias históricas: uma breve história do estúdio Clarus Victoria

Olá a todos, meu nome é Mikhail Vasiliev, sou diretor e game designer do estúdio Clarus Victoria. Recentemente lançamos no Steam o jogo Egypt: Old Kingdom — uma estratégia histórica onde é preciso construir pirâmides, rezar aos deuses e resolver diferentes problemas. A particularidade do jogo é o alto nível de pesquisa histórica e imersão — para isso contamos com a ajuda de consultores egiptólogos.
Neste artigo você conhecerá a história da Clarus Victoria desde a fundação até se tornar um estúdio indie próspero, que até o momento vendeu cerca de 200 mil cópias de jogos em diferentes plataformas.

Breve história da Clarus Victoria

A história do estúdio começa comigo. Antes da Clarus Victoria trabalhei na indústria de jogos em empresas como “Nikita” e “Akella”, mas sempre me preocupei com questões éticas. Principalmente: o que estamos oferecendo à nova geração com nossos jogos? Eles gastam bilhões de horas de suas vidas jogando, mas será que isso lhes traz algum benefício? A cada ano essas perguntas se tornavam mais importantes para mim.
Stone Age
Ao deixar meu último emprego no início de 2013, comecei a fazer meu primeiro jogo — Pre-Civilization: Stone Age — sobre o início da humanidade. Mais tarde ele foi incluído na coletânea Bronze Age. Como eu estava sozinho, precisei fazer tudo por conta própria: em quatro meses aprendi programação, desenho, animação, game design, fiz uma breve pesquisa histórica e criei o jogo.
Foi preciso lidar com questões de localização, sons, monetização. Foi muito difícil e, ao mesmo tempo, interessante. Foi uma maratona insana, eu trabalhava quase sem folgas, 15 horas por dia, aprendizado e trabalho misturados em um único fluxo. O mais difícil era perceber que eu estava sozinho e que, quando descansava, o desenvolvimento também parava.

Da minha experiência na indústria, tirei duas verdades importantes para iniciantes: não tentar de cara fazer um jogo complexo e lembrar da importância da jogabilidade central. Apesar de meus recursos limitados na criação de Stone Age, e de o jogo ter saído simples, dediquei muita atenção à mecânica. Mesmo assim, desenvolvedores e publishers a quem mostrei o jogo foram céticos, dizendo que não daria certo.
O código do jogo era horrível. Tenho certeza que muitos programadores ririam ao vê-lo. A arte também parecia mais uma piada. Um avaliador do FGL (antigo leilão de jogos em Flash) deu nota 6 de 10. Isso significava um projeto mediano, que patrocinadores não iriam querer. Fiquei desanimado e pensei que o fracasso era inevitável.
A solução veio ao chegar até o curador principal do FGL, que deu nota 8 de 10, e então tudo deslanchou. Anunciantes compraram o jogo, ele se pagou instantaneamente e começou a circular pela internet. No armorgames.com o jogo recebeu 8,3 de 10.

Bronze Age
Continuar sozinho era difícil psicologicamente, então chamei meu velho amigo Ilya Terentiev para ajudar. O plano era criar jogos semelhantes para estabilizar as finanças. Depois de conversar, decidimos fazer uma continuação cronológica de Stone Age — Bronze Age.
Assim como eu, Ilya no início não sabia muito. Decidimos que ele desenharia e eu faria o design e a programação. Em alguns meses fizemos o jogo inteiro e até lançamos para dispositivos móveis. Entrar no mercado mobile foi um motivo de orgulho imenso. Poucos meses antes eu mal entendia o que fazia, e agora era um “mobile developer” de verdade. Mas ainda levei meses para compreender tudo. No armorgames.com o jogo recebeu 8,5 de 10.

Marble Age
No final de 2013, nos perguntamos o que fazer a seguir: continuar fazendo jogos pequenos ou tentar subir de nível e aumentar a qualidade? A ideia de lançar vários jogos em Flash e lucrar rápido era tentadora, mas decidimos avançar. Essa decisão se tornou o conceito de todo o desenvolvimento da Clarus Victoria: cada projeto não apenas deveria expandir o conteúdo, mas também elevar o padrão. Começamos a evoluir: ideias boas se desenvolviam, ruins eram descartadas.
O novo projeto foi difícil, a experiência ainda era pouca, as mecânicas foram refeitas várias vezes. O sistema de comércio e diplomacia, por exemplo, refiz quatro vezes, perdendo meses de trabalho. Às mecânicas de Stone Age adicionamos cartas, batalhas, desafios e missões.
Como em Stone Age, as pessoas duvidavam do jogo, e eu mesmo comecei a achar que tinha exagerado nas mecânicas — parecia que minhas ideias estavam se tornando impraticáveis. O desenvolvimento se arrastou por mais de um ano. O clima estava pesado. O dinheiro acabava e era preciso economizar.
O jogo saiu primeiro para dispositivos móveis e depois, passando pelo Greenlight, chegou ao Steam. Para nossos orçamentos modestos, Marble Age foi bem. Os jogadores o avaliaram melhor que todos os anteriores. Chegamos até a incluir moeda virtual para testar f2p.

O jogo passou a dar bem mais dinheiro, embora não soubéssemos quem pagava. Talvez fossem crianças — poderiam exigir ou pegar dinheiro dos pais, criando uma sensação errada de impunidade. Para nós isso era antiético, então desligamos a moeda virtual e nunca mais voltamos à ideia de f2p. Pode soar estranho para muitos, mas a ética é mais importante para nós.
Com o tempo lançamos uma versão no armorgames.com, onde recebeu 8,6 de 10.
Predynastic Egypt
Na primavera de 2014, com os primeiros ganhos significativos, decidimos que era hora de subir de nível. Recomeçar do zero e fazer jogos realmente históricos. Escolhemos o Egito, porque foi o primeiro verdadeiro Estado, de onde começou a civilização.
Decidimos expandir a equipe. Encontramos um programador Flash conhecido, começamos a procurar artistas para criar ilustrações bonitas. O futuro parecia previsível e interessante. Então surgiu uma ideia louca: e se convidássemos egiptólogos de verdade como consultores? Quase não acreditávamos que daria certo, que esses especialistas iriam se interessar.
Mas arriscamos e ligamos para o Centro de Estudos Egiptológicos da Academia Russa de Ciências. Recebemos uma recepção mais calorosa do que esperávamos: ao conhecer nossas ideias, os egiptólogos aceitaram ajudar. Descobrimos que eles também queriam popularizar seu conhecimento. Nossa felicidade foi imensa, parecia que agora o jogo fluiria.

A realidade, como sempre, foi dura. Problemas começaram: não conseguimos encontrar bons artistas por cerca de meio ano, a jogabilidade mudava sempre, a demo não ficava interessante. Depois de conversar com os egiptólogos, precisei jogar fora todos os textos que tinha escrito em meses. No meio do processo voltei a escrever tudo de novo.
As finanças já estavam apertadas. Oito meses depois, o programador disse que seu tempo acabou e só continuaria por muito dinheiro ou parte da receita. Depois de negociar, percebemos que esse estilo não era aceitável e tivemos que nos despedir dele. No fim, ele ainda proibiu usar todo o código que tinha feito. O projeto ficou à beira do fracasso.

Mas a noite é mais escura antes do amanhecer, e então vieram milagres. Encontramos dois ótimos artistas — Ivan Beshkarev e Maxim Yakovenko. Depois, um novo programador — Egor Piskunov — reescreveu todo o código em Unity em cinco meses. Quase todas as decisões tomadas nos últimos meses foram acertadas, criamos métodos que otimizaram muito o trabalho.
O jogo saiu no Steam com o nome Pre-Civilization Egypt. Foi um sucesso, recebeu mais de 91% de avaliações positivas e se pagou em poucos meses. A precisão histórica estabeleceu um alto padrão de qualidade, recebemos até cartas de agradecimento de egiptólogos e educadores. Até hoje foram vendidas cerca de 60 mil cópias no Steam e em mobile. Não é muito para grandes estúdios, mas para nós é bastante.
Mas uma semana após o lançamento, saiu Civilization VI. Poucas semanas depois, nosso jogo foi completamente removido do Steam, sem aviso.
Descobrimos que a Take-Two é dona da marca Civilization. Ela notificou Steam, Google, Apple, e fomos bloqueados em todos os lugares quase instantaneamente, até nos resultados de busca. Não tínhamos direito de usar a palavra Civilization — ela pertence à Take-Two. A lógica das lojas é simples — tudo a favor dos grandes publishers, e as plataformas não assumem responsabilidade. Quer processar? Procure você mesmo. Só conseguimos resolver renomeando nossos jogos.

Mas não lamentamos muito, pois os nomes realmente ficaram melhores. Assim o jogo passou a se chamar Predynastic Egypt.
Old Kingdom
Durante os desafios de Predynastic Egypt, comecei a buscar soluções para meus problemas de design. Por que é tão difícil criar jogabilidade? Por que parece magia, sem nunca saber o resultado? Para onde nos leva o processo de melhorar sem parar?
Questionei a essência do jogo ideal. Em que nível estão nossos jogos? Para onde seguir? Em um ano li dezenas de livros sobre teoria dos jogos, análise de sistemas etc., criando conceitos e planos para anos à frente. O novo jogo tinha uma tarefa séria — criar um jogo historicamente preciso sobre a era das Grandes Pirâmides.

Queria criar um projeto realmente de alto nível. Atingir novo patamar em game design, historicidade e atmosfera. Por isso os primeiros seis meses foram de experimentos intensos, testando gêneros, mecânicas e tecnologias.
Esse processo, que parecia interminável, foi interrompido por Ilya. Infelizmente ele decidiu deixar a Clarus Victoria e buscar seu próprio caminho fora da indústria. Continuou ajudando com conselhos, mas o financiamento e as possibilidades de PR (que eram com ele) caíram drasticamente. Depois disso, a nova concepção do jogo se formou em poucos dias. Pegamos Predynastic Egypt e adicionamos apenas o essencial que podíamos para nos aproximar do “jogo ideal”.
A expansão da equipe resolveria problemas urgentes. Perdemos Egor (que se mudou para outro país), e no lugar contratamos novos programadores Anton Shcherbakov e Georgy Ryaposov. Eu também trouxe três assistentes de design. Achei que mais pessoas fariam o projeto mais rápido.

Essa estratégia foi um erro, custando meses de trabalho. O design era muito autoral e complexo para delegar, então tive que reassumir. O mesmo com programadores, que não se adaptaram. Mas no PR conseguimos Polina Kuzmina, que além de russo e inglês falava chinês. Isso foi crucial, já que nossos jogos se tornaram muito populares na China.
Outro grande problema era a mecânica. Todos os nossos jogos tinham lógica complexa, mas em Egypt: Old Kingdom havia cerca de 1500 arquivos de lógica, difíceis de programar. Isso estendeu o desenvolvimento de 10 meses para quase 1 ano e meio. Em vez de Old Kingdom, poderíamos ter feito 3 a 5 projetos do porte de Predynastic Egypt.
O processo de polimento também foi longo. Quando as finanças acabavam, decidimos lançar. Embora tivéssemos testado, até o último minuto eu não tinha certeza de que estava pronto, mesmo quando era hora de apertar “Publicar” no Steam. Só então começamos a enviar para reviewers e imprensa, mesmo que planejássemos muito antes.
Eu sabia que esse PR tardio era erro, mas não queria atrasar mais, a pressão era grande. As vendas não foram tão boas quanto poderiam. O projeto é promissor: mais da metade do orçamento voltou em poucos dias, mas poderia ter sido melhor com PR antecipado. Talvez devêssemos ter adiado mais um mês.

O sucesso do projeto contou com a ajuda de voluntários, fãs e youtubers conhecidos que nos apoiaram. Obrigado a eles e a todos que já compraram ou vão comprar o jogo e estão lendo estas linhas. Sem vocês nada teria sido possível. Quanto mais aliados, mais fácil é fazer jogos — essa é nossa principal inspiração e prova de que estamos no caminho certo.
Conclusões e conselhos
O que eu recomendaria a outros:
- sejam otimistas e amem o que fazem. Se não der certo, procurem algo que realmente gostem. Muitas vezes estivemos à beira do fim, só o entusiasmo nos salvou;
- se não tiverem certeza, comecem pequeno. Melhor fazer menos, mas bem feito;
- busquem conhecimento e habilidades, estudem antes de começar algo. Mas não se percam só em teoria, é um processo infinito. Cada nível de tarefa exige certo nível de conhecimento. Para as simples, conhecimento básico basta;
- finanças são muito importantes. Não planejem gastos se não têm certeza de que podem arcar. No começo, se não tiverem certeza, comecem sem dinheiro. Ganhem experiência, depois invistam;
- economizem seu tempo. Ele vale mais que dinheiro. Evitem o “pântano do desenvolvimento”. Até projetos de sucesso podem parar de evoluir;
- encontrem uma boa equipe. O segredo de bons projetos está em boas pessoas que fazem seu trabalho;
- se fizerem um jogo, nunca negligenciem a divulgação, mas também não a coloquem acima do jogo.
Se quiserem conhecer nossa evolução, joguem nossos jogos. Mais tarde falaremos mais sobre as mecânicas de Old Kingdom e nossa abordagem à historicidade.